Pequenas Coisas Como Estas

 

Diretor: Tim Mielants 
Elenco: Cillian Murphy, Emily Watson, Eileen Walsh. 

Convidados pela Studio Z e pela O2 Filmes, fomos assistir ao filme de Tim Mielants, “Pequenas Coisas Como Estas”. Estrelado por Cillian Murphy, traça uma narrativa introspectiva de um homem sofrido e envolto no véu cinza de poeira de carvão, quando, na verdade, quer retratar o sofrimento de jovens mulheres aprisionadas em um convento, um Asilo de Madalena, para ser mais específico, e como as freiras madalenas destruíram vidas de milhares de jovens nesses lugares. 
O longa retrata a rotina dura e coberta em poeira de Bill Furlang, um carvoeiro que trabalha arduamente para sustentar sua família nos anos 80, na Irlanda. O céu sempre cinza e o clima sempre frio e chuvoso perpassam a tela e fazem você se sentir estranhamente frio como espectador. Bill parece ser rodeado de uma tristeza infinda e claramente em um quadro depressivo, deixando escapar várias lágrimas sem querer de seu olhar. Insone e com certa dificuldade de expor seus sentimentos até para sua esposa Eileen, vivida pela atriz Eileen Walsh, demonstra dificuldades também de se conectar com suas 5 filhas de diversas idades, apesar de ser nítido seu amor e dedicação, pois os frutos de seu trabalho são inteiramente para o lar. 
Assim, a vida de Bill segue e somos mostrados pequenos gestos de caridade e generosidade que parecem faltar certa coragem para se aprofundarem em algo mais significativo. Quando as circunstâncias ao seu redor parecem se agitar, depois que testemunha uma jovem sendo levada à força para dentro de um convento em que entregava sacas de carvão, sua generosidade e empatia começam a se mostrar de maneira mais clara e logo é advertido por sua esposa, dizendo que ele fez bem em se manter fora dos assuntos das freiras. 
O filme intercala momentos da infância de Bill, quando ele e sua mãe foram abrigados por caridade na propriedade de uma viúva abastada da região, na tentativa de justificar a tristeza do personagem e suas reminiscências. Bill tem muito dentro de si que não deixa ser colocado para fora, como um bom homem taciturno endurecido pelo trabalho braçal. A miséria de sua cidade do interior o afeta profundamente e as dificuldades ao seu redor estão sempre a ponto de feri-lo pessoalmente. 
O conflito interno se aprofunda quando Bill encontra a jovem que assistira sendo levada ao convento presa na carvoaria. Ali, a jovem diz entre sussurros e lágrimas que seu filho nascerá naquele lugar e que será doado a uma família muito feliz. Em um estado entre choque e caridade, leva a jovem de volta ao convento e é confrontado pela Madre Mary, interpretada por Emily Watson. Em uma sequência quase de filme de terror, a Madre questiona a jovem, na presença de Bill, entre chás e fatias de bolo. A jovem mente, dizendo que foi vítima de alguma brincadeira das outras garotas e desata a chorar. A Madre tenta comprar o silêncio de Bill em forma de propina colocada dentro de um envelope endereçado para sua esposa Eileen, como uma ameaça a toda a família, pois suas filhas mais novas estavam chegando na idade para ingressar no prestigiado colégio de freiras. 
Mais perturbado ainda após o encontro, Bill não consegue tomar uma decisão. Nos últimos minutos do filme, vemos, enfim, o personagem ganhando um pouco de coragem e indo até o convento para resgatar a jovem grávida que dormia trancada na carvoaria. 
Quando o filme, enfim, nos dá um pouco de empolgação sobre o que irá acontecer, agora que Bill resolve desafiar a Igreja, todas as convenções silenciosas daquela pequena cidade e as expectativas de sua esposa e de suas filhas, e talvez deixar de ser apenas uma caricatura tediosa de figura masculina no lar, o longa termina. Os créditos começam e pioram quando vem a mensagem: “Dedicado às mais de 56.000 jovens mulheres que foram enviadas para Asilos de Madalena para "penitência e reabilitação" entre os anos de 1922 e 1998. E às crianças que foram tiradas delas”. 
O filme foi adaptado do livro homônimo de Claire Keegan, que já é uma escrita bem recebida, porém, reconhecida pelos buracos que deixa abertos na trama. E o filme segue esse mesmo conceito. Não se dedica muito a demonstrar com clareza ou exatidão o papel que cada personagem possui na vida deste homem e nas repercussões que esses causaram em sua vida adulta. As pequenas coisas que ele faz são migalhas de caridade e a trama nos entrega migalhas de conflitos. A ternura pode ser confundida com pusilanimidade e covardia nesses momentos. Revela apenas como um homem não conseguiu superar seu passado, mesmo que esses traumas tenham sido, na verdade, ultrapassados por tantas conquistas. Possui esposa, cinco filhas, um negócio para cuidar, tantos clientes, e com tudo isso, uma memória simples do passado, trazida à tona por uma espécie de depressão natalina, leva este homem ao choro contido. 
É também decepcionante ver que o protagonista masculino é o único que parece se compadecer das jovens mulheres sofrendo ao seu redor. Sua esposa, a dona do bar, suas filhas, nenhuma das mulheres demonstra qualquer nuance de tentativa de revolta contra a brutalidade da Igreja, mesmo quando só um muro separa suas filhas da escola e do Asilo. 
Ainda é de se aplaudir a atuação de Cillian Murphy, que faz transparecer essa exasperação na vida cotidiana deste homem. Cillian transmite a confusão interna do personagem e a palpável decepção que ele sente por não conseguir mudar muito da realidade ao seu redor. Afligido pelo tempo, pela chuva, pelo frio, tudo parece tocar esse homem e o deixar mais acuado, menor, por mais que seja duro, é um personagem frágil e cheio de amarras. Fiquei esperando a todo tempo quando ele iria arrebentar. O longa não entrega esse momento. E poderia ter nos mostrado os frutos dessa revolução silenciosa que Bill poderia ter iniciado. Jamais vamos conhecer essa mudança poderia ter ocorrido nas telas.

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