Superman: Você vai acreditar que um cachorro pode voar
Por Inácio Saldanha
Começo logo avisando: esse texto não tem a intenção de soltar algum spoiler, mas pode ser que escape algum.
Acabei de sair da sessão do filme Superman (2025) e voltei a ser aquele garoto que era rato de banca de revista. Primeiro foi o cheiro de pipoca, depois um trailer. Um Superman vindo diretamente dos quadrinhos da década de 30 pipoca na tela com as notas do tema de John Williams. Nesse momento eu pensei que deveria manter a expectativa baixa. Mas o meu eu interior não deixou muito que isso acontecesse.
James Gunn tinha uma missão muito complexa ao assumir a criação do novo universo da DC no cinema. A bagagem do Superman já era muito pesada no decorrer dos anos. Sua origem já é algo que está dentro do imaginário popular. Como não cair na armadilha da forma? Não seguindo a forma.
Um caos
Nesse filme o universo de heróis da DC já existe há pelo menos três séculos. Séries como O Pacificador e Comando das Criaturas, assim como o filme O Esquadrão Suicida já aconteceram (não coincidentemente, escritas também por James Gunn). Invasões alienígenas ou extradimensionais são, de certa forma, corriqueiras. A relação com a tecnologia também. Nada é tão surpreendente para o cidadão desse universo, ao ponto de se sentir à vontade em estar à dez metros de um kaiju tirando fotos. Nos quadrinhos é natural o cidadão comum estar passando na cidade e estar ocorrendo uma invasão do mundo Bélico, dar de cara com o Metallo ou até mesmo ver a nave do Brainiac caindo. Esse filme apresenta o mesmo tipo de caos organizado ao apresentar novos heróis nesse ambiente. Particularmente achei que a presença de outros heróis, como o Metamorfo (Anthony Carrigan), Mulher-Gavião (Isabella Merced), Guy Gardner (Lanterna Verde) e Sr. Incrível (Edi Gathegi, fazendo aqui um personagem maravilhoso) tiraria bastante o foco. De fato, alguns personagens (como a Mulher-Gavião) tem pouco tempo de tela, mas acredito que vai ser sanado no decorrer da construção desse universo.
O diretor (que também escreve o filme) abraça não somente a ideia de que tudo isso aconteceu, e também através disso, nos conta que os outros filmes também aconteceram na nossa realidade. Ele sabe que a gente conhece o tema do Superman (que aliás eu gostei não gostando da forma como foi feita nesse filme); sabe que a gente conhece a abertura de Superman - O Filme (1978) e sabe que a gente teve acesso à várias versões do Homem de Aço no decorrer dos anos. O diretor pega essa bagagem e usa no longa.
Existem algumas decisões bem interessantes na forma como as cenas são filmadas. Como realizar o vôo, por exemplo, sempre foi um questionamento desde os primórdios, e a forma como é trazida uma câmera para perto do rosto dos personagens é, no mínimo, interessante. Algumas decisões de edição foram bem acertadas, enquanto em outras temos a sensação de ter havido algum tipo de corte ou mudança.
A Música
O filme acerta errando ao colocar a música tema composta por John Williams para o filme de 1978. A Superman March é uma das grandes músicas do compositor para um longa, juntamente com as icônicas músicas de Star Wars e Os Caçadores da Arca Perdida. Usar esse tema como leitmotif para o Homem de Aço é algo positivo. Entretanto, o tema não se desenvolve e fica sempre naquele uso excessivo das primeiras notas. Sinto que faltou coragem em desenvolver esse tema, mas vou poder falar melhor disso quando ouvir novamente o filme.
James Gunn é conhecido pelo amplo uso da música tanto na construção do roteiro como na execução final. Diferente de seus trabalhos anteriores, a música diegética não é tão presente. Salvo em uma cena (muito boa, aliás) que tem uma interação entre o Sr. Incrível e Lois, a música em sua maioria é incidental. O que não seria um problema, se existisse um pouco mais de ousadia. Sinto falta das histórias sendo contadas através da música, com temas próprios dos personagens. Mas é uma questão pessoal.
O Elenco
Superman é um herói difícil. Seja em qual mídia seja, é um personagem que precisa de um lápis afiado para que se torne interessante. Quando pensamos em Clark Kent, e sua dualidade enquanto humano e deus podemos ter, aí, uma história muito interessante de ser contada. Kal-El é um deus moderno, não muito diferente de um deus oriundo de qualquer panteão. Deuses poderosos são temidos; deuses que não se apegam à sua divindade e encarnam como humanos por estes são amados. O Superman de David Corenswet anda no meio das pessoas, conversa com elas, salva bichinhos, está aprendendo como lidar com uma realidade bem mais complexa politicamente; e seu Clark Kent é doce, um garoto que tá aprendendo o que fazer, que tenta fazer o certo. Um ‘jovem do interior’. E que pode viver plenamente seu lado humano por conta das pessoas que estão ao seu redor. É bom ver, finalmente, Jimmy Olsen (Skyler Gisondo) em tela, assim como toda a equipe do Planeta Diário em ação.
Rachel Brosnahan é maravilhosa. Sua Lois Lane é reconhecível no primeiro frame. É sagaz, firme, direta, e traz um pouco de cada encarnação da sua personagem. Me lembrou muito a versão da série animada Minhas Aventuras com o Superman (2023). Aliás, o filme me lembrou muito essa mesma série. O Lex Luthor de Nicholas Hoult é frio, calculista, invejoso e não se importa nenhum pouco com as vidas ao seu redor. Krypto é uma adição muito bem-vinda. Quem tem cachorro vai se identificar com várias das situações vistas no longa. Fiquei rindo muitas vezes que ele apareceu, e sua interação com os personagens é muito natural. Tenho certeza absoluta que o super-cão vai aparecer em outras produções da DC daqui pra frente. Falando nisso, há uma grata surpresa ao final do filme sobre o que pode vir por aí. E que, pela premissa (e por já saber QUEM estará também), posso imaginar a loucura que pode ser.
Colorindo um livrinho de heróis
A Warner conseguiu entregar filmes que se encerravam dentro de suas bolhas, principalmente em filmes cujo protagonista era o Batman (com exceção do infame Batman & Robin). Falhava, entretanto, na construção de um universo coeso. A busca por uma estética “sombria e realista”, tentando emular o sucesso da trilogia O Cavaleiro da Trevas (de Christopher Nolan), causava a necessidade de uma certa suspensão de descrença naquele mundo. Superman, ao contrário, é um filme solar, que traz um frescor e um colorido à uma imagem cinza do herói que vem sendo construída desde O Homem de Aço e sedimentada no jogo Injustice: Gods Among Us (ambos de 2013). Por mais que a visualização da corrupção do maior herói de todos, vista no universo do jogo (e no infame sonho do Batman em Batman v Superman) seja uma visão interessante, ao mesmo tempo ela se desgastou pelo excesso. Superman não era mais aquele que, criado por pais humanos e simples, aprendeu o valor da vida: tornara-se sim um vilão cínico que abandonou qualquer resquício de heroísmo que ainda tinha. James Gunn, em essa nova encarnação do personagem, abraça o colorido. Abraça a leveza. Abraça a cueca por cima da calça. E funciona muito bem (tanto que após uns segundos você esquece que ela está ali).
Superman é uma carta de amor de James Gunn ao personagem e ao universo que ele está construindo na Warner. Espero que ele e sua equipe consigam fazer com que esses personagens tenham vida longa nesse projeto. E espero que, com os próximos, eu possa ter o mesmo sentimento: escrevo esse texto três horas depois de ter saído da sala; mas ainda me sinto como se tivesse voltado aos meus dez anos de idade hoje.


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