A verdadeira dor - Crítica

 

Direção e Roteiro: Jesse Eisenberg 
Um drama bem escrito e bem dirigido já se mostra nas primeiras cenas e se confirma nos diálogos fortes e tão verossímeis que são tão difíceis de se recriar e produzir em tela. “A Verdadeira Dor”, dirigido e escrito por Jesse Eisenberg, tem essa capacidade de te fazer pensar: “já ouvi ou vivi esse diálogo na minha vida”. O expectador já esteve em um dos lugares emocionais e comportamentais que a trama te leva. 
O filme acompanha dois primos, Benji Kaplan (Kieran Caulkin) e David Kaplan (Jesse Eisenberg), que se juntam a uma excursão na Polônia, com o intuito de conhecer o país de origem da avó deles, visitar o último endereço dela no país e se reconectar com sua origem judaica de força e historicamente muito dolorosa naquela porção da Europa. A matriarca, recém-falecida, sobreviveu ao holocausto “por mil milagres”, como repete o personagem David em seus diálogos, e fugiu para os EUA, construindo sua família. Com este legado, David e Benji possuem memórias distintas de sua avó e de seu papel na infância de cada um deles, mas é a relação de Benji que chama a atenção. Pelo que ele fala para todos, eles eram muito próximos e a perda de sua avó ainda parece abalar muito o jovem adulto. 
Benji é a história e o roteiro deste filme. Acho que todos já conhecemos alguém assim, capaz de fazer com que todos gravitem ao seu redor quando entre em uma sala ou se senta em uma mesa de jantar, com tanto charme e carisma, contando histórias e conseguindo conversar e expressar sua opinião sobre tudo. Essas pessoas que parecem encantar a todos ao seu redor e parecem tão vivas e alegres, mas, quando você se aproxima demais ou convive mais do que uma noite, passa a perceber a dor, a tristeza e a inconstância de emoções que, em um momento, eleva tudo e todos de excitação e, no outro, colapsa e deixa todos constrangidos com sua excentricidade e falta de noção. 
É intrigante ver o personagem na tela, e Kieran Culkin é genial por trazer todas essas facetas que se complementam tão bem em uma personalidade depressiva que sofre com as mudanças de humor e opiniões tão radicais. O prêmio do Globo de Ouro de Melhor Ator Coadjuvante e a indicação ao Oscar nesta mesma categoria são merecidíssimos. Transporta para a tela o encanto de ter ao seu lado uma pessoa capaz de inspirar tanto amor e admiração quanto ódio e uma vontade de estapear em certas horas. 
Pessoalmente, a personalidade de Benji me lembrou tantas pessoas que já conheci que se comportam desta forma, sem medo de falar o que pensam, mesmo quando o que dizem certa hora contradiz completamente o que falaram minutos antes. É extremamente irritante e de dar nos nervos e, ao mesmo tempo e a contrassenso, tão atraente e envolvente. É quase como assistir uma Lamborghini passando em velocidade alta e batendo em um poste. É atraente aos olhos, você não consegue desviar a atenção. Fica imaginando o prejuízo que isso vai causar e como foi que isso aconteceu, mas, lá no fundo, ainda deseja ser o dono dessa Lamborghini. Não sei se isso fez sentido, mas é essa a sensação. 
De certa maneira, este é o sentimento de David (Jesse Eisenberg) que tem que conviver com a personalidade do seu primo desde a infância e nos revela que recentemente Benji tentou tirar sua própria vida. David inveja a capacidade que Benji tem de se aproximar de qualquer pessoa e falar o que quer sem se importar se isso vai constranger os outros, ao mesmo tempo que tenta entender por que seu primo tentaria cometer suicídio. 
Os dois se encontram com esses sentimentos em uma excursão que passa por locais históricos da comunidade judaica na Polônia, chegando ao momento mais emocional quando visitam um antigo campo de concentração e testemunham os resquícios dos horrores que aconteciam ali com seus ascendentes. 
Aqui, podemos falar da direção de Jesse Eisenberg, que consegue transmitir a agonia e a intensidade de visitar um local com uma história tão horrível e desumana. O diretor sabe que falta palavras, então, deixa o horror das paredes, das manchas do chão e das roupas mantidas das vítimas do holocausto ainda guardadas em depósitos no local falarem o que os personagens não conseguem expressar. 
Também temos que falar do roteiro incrível também escrito por Jesse Eisenberg. Fora a construção de cenas de maneira inteligente e poética, a capacidade de replicar a realidade humana em diálogos honestos e cheios de experiência pessoal é daquelas coisas que te assombram nos filmes de drama. 
“A Verdadeira Dor”, em inglês, “A Real Pain”, apesar de brincar com um trocadilho americano (“A real pain in the ass”, que pode ser traduzido como “um grande pé no saco”), vem com muitas dores e reflexões sobre herança, história e a tentativa de conciliar as expectativas da família e da sociedade com nossa própria vivência e a forma como trilhamos o mundo. 
Apesar do filme ser isso tudo de bom, não consigo deixar de pensar que há certa propaganda sionista, o que pode ser polêmico diante do genocídio na Faixa de Gaza promovido pelo estado de Israel contra o povo palestino, já devidamente reconhecido como crime humanitário pela ONU. O filme não chega a falar sobre isso quando aborda o judaísmo e sua história trágica, mesmo quando traz um personagem negro e imigrante africano que se converte à religião judia e reflete sobre como a comunidade judaica o ajudou a se firmar e se sentir acolhido em uma terra estrangeira. 
Fora esse estranhamento, o filme é uma comédia dramática de encher os olhos e coloca nas telas todo o brilhantismo de Kieran Culkin e Jesse Eisenberg.

termina. 




Sousen (@Damienmaia)

Colunista e diretor criativo da Oniiverse!

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