Queer - 2024 Crítica
O filme Queer (2024), de Luca Guadagnino, fala mais sobre a solidão queer do que sobre a vida queer. O filme estrelado por Daniel Craig, que foi indicado para o Golden Globe e Critics Choice Award na categoria Melhor Ator, inicia com o foco na vida noturna de um homem homossexual, “queer”, aqui a palavra tomando o sentido de “bicha” na tradução das legendas, mais velho, que caça rapazes pela noite da Cidade do México, dos anos 40, e que aos poucos vai revelando uma solidão profunda e inescapável.
A carência emocional e a libido sexual de Lee são ambas insaciáveis ao ponto de ser doloroso testemunhar até onde ele pode se deixar afundar para suprir essas necessidades. Tudo isso parece chegar a outro nível quando ele vislumbra um jovem rapaz que parece mais uma aparição no meio da paisagem árida e hostil daquelas ruas. Lee passa a praticamente stalkear o jovem Eugene Allerton (Drew Starkey), sem ter certeza da sexualidade dele. Um jogo sensual de toques e conversas pomposas regado a muita bebida começa a se desenrolar até que Lee consegue o objeto de seu desejo, mas entra em uma espiral de dependência emocional que, por conta do uso de entorpecentes e pela busca de drogas ainda mais psicodélicas, leva a audiência a uma viagem insólita e alucinante.
A partir daí, o filme perde o ritmo e se torna quase uma corrente de consciência do personagem. As alucinações tomam conta da tela e desconectar da história. Os símbolos e imagens que passam a surgir são rasos e não requerem muito esforço para decifrar que são partes do desejo e da carência afetiva de um homem gay envelhecendo, que não sabe mais lidar com suas emoções e com uma libido sexual que anseia por homens vigorosos e belos, ao ponto de pagar por um pouco de atenção, pelo menos duas vezes na semana.
Nesse ponto, a atuação de Daniel Craig precisa ser reconhecida. Principalmente, no início do filme, as cenas do personagem perdido na noite, buscando qualquer homem para se saciar, revelam uma atuação forte e cheia de olhares famintos. O desejo escorre pelas expressões do ator, não só de conseguir sexo, mas de ter qualquer conexão emocional que seja, é ele se satisfaz com muito pouco.
No início do filme, a direção de Luca Guadagnino é primorosa e mostra a aridez da cidade e do tempo em que viviam. A direção de arte e a cinematografia tornam as cenas quase idílicas, cada frame sendo um pôster que remete a pinturas de Diego Rivera ou Eduardo Kingman, talvez. Pessoalmente, agradeço pelas cenas em câmera lenta de Drew Starkey, é realmente um ótimo casting para viver um personagem tão naturalmente sexy com o figurino da época em suas curvas masculinas.
Porém, a partir do meio do filme, a história e a câmera do diretor se perdem e não se encontram mais, principalmente quando eles viajam em busca de ahyuasca no meio da floresta tropical. A partir dali, a conexão emocional e telepática que Lee busca se torna quase cômica e descamba para uma tragédia patética. O final é mais um sintoma da vida gay retratada por William S. Borrough no livro em que se baseia o filme. O retrato de uma vida queer solitária é real, mas também é datado. Essa carência existe principalmente na vida de pessoas queers que não se aceitam e não são aceitas. Essa falta de aceitação leva aos vínculos familiares que criamos com amigos e com outros da comunidade LGBTQIAPN+. Existe o medo da solidão na velhice, que apesar de não ser exclusivo das pessoas queers, parece mais assombroso para nós.
No tempo heteronormativo, a regra é aos 30 anos já ter filhos e formar uma família, quase uma garantia de que sua velhice será ao menos rodeada de familiares. No tempo queer, muitos aos 30 ainda estão se descobrindo e começando a viver uma adolescência tardia cheia de sentimentos e aventuras sexuais. Para mulheres trans, os 30 anos já podem representar a velhice considerando a estimativa de vida delas no Brasil.
A velhice retratada no filme é palpável e dolorosa, é mais uma narrativa queer triste, quase um vaticínio da vida de homens gays. Eu, como homem gay, já estou cansado desse destino e dessas narrativas. A solidão é inerente ao ser humano. Então, como indivíduos, não importa a sexualidade, temos que aprender a lidar com ela. O filme parece inferir que o destino da morte em uma cama sozinho é o fim do homem gay em sua velhice. Já temos filmes o suficiente retratando esse fim da morte trágica da vida queer.
Luca Guadagnino devia buscar narrativas menos datadas e trágicas da comunidade queer para adaptar ao cinema. Não que as vidas da comunidade LGBTQIAPN+ não seja cheia de lutas e sofrimento, mas também há muita alegria e desejo de vida ardente na aceitação, no sexo e no amor. A idade também não é uma sentença para a solidão na comunidade queer. Nós podemos, sim, ter nossas famílias e uma vida longa ao lado dos nossos amores, assim como pessoas heteronormativas. Bem como, podemos ter uma velhice solitária, assim como pessoas heteronormativas.
O sentimento de piedade que o filme Queer evoca ao final parece fora do lugar. No lugar de uma celebração da vida, a obra adapta uma profunda tristeza e parece esquecer de retratar a solidão como um lugar de paz e plenitude. No filme, há apenas arrependimentos de sensações não vividas. Mesmo chegando ao pico dos sentidos, o fim parece focar no que o personagem não conseguiu. Prefiro ficar com a primeira metade do filme e no seu vigoroso e singelo retrato do desejo e da vida queer.
Sousen (@Damienmaia)
Colunista e diretor criativo da Oniiverse!

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