Duna: Parte Dois - Quero ver dormir agora
Duna: Parte dois, a nova obra de Denis Villeneuve baseada no romance de Frank Herbert finalmente chega às telas, pouco mais de dois anos após o primeiro filme da multimilionária franquia. Timothée Chalamet volta para o papel de Paul Atreides em sua jornada messiânica, agora mais próximo aos fremen, tendo de decidir entre seguir o caminho profetizado para ele ou seguir seu coração e o amor de Chani, vivida novamente por Zendaya. Em contrapartida, o exército da Casa Harkonnen intensifica cada vez mais a caça aos nativos de Arrakis e as minerações de especiarias abundantes no planeta desértico. Será que Duna: Parte Dois conseguiu seguir o sucesso de seu antecessor ou caiu no truque de apenas ser mais e maior?
Sem muita enrolação, Duna 2 é sim um filmão, não só pelas longas 2 horas e 46 minutos, mas também pela sua exímia qualidade técnica, personalidade e coragem. Um dos departamentos que logo encantam ao iniciar a obra é sua fotografia, mergulhada boa parte do tempo em tons amarelados e alaranjados, é quase como se fosse possível sentir o calor do deserto junto aos personagens que acompanhamos. Porém, a obra não se passa o tempo todo naquele mar de areia, então para cada planeta que é apresentado, a foto e a colorimetria se mostram únicas para cada local. Ao apresentar a Casa Harkonnen, a tela é mergulhada no cinza escuro e um branco quase estourado, trazendo de forma diferente o mesmo sentimento de calor que Arrakis trouxe. A obra ainda chega a mostrar cenas mais coloridas ao chegar na Casa Corrino, mas nada tão inspirado quanto as cenas com menos variedade de cores. Greig escolhe trazer, além de belas cenas, uma coesão com a obra. Um exemplo são os sonhos e previsões de Paul, que, se ele não consegue ver ou entender com clareza, o público também não, porém isso não é uma via de mão dupla.
Ao caminhar de sua jornada, o personagem de Paul, que após se provar como fremen, passa a ser chamado de Muad’ Dib e Usul, vai se tornando cada vez mais enigmático, a ponto do espectador ter de entender olhares e pequenos sorrisos como forma de comunicação. Isso não é jogado aleatoriamente, mas sim construído junto com as lições, descobertas, visões e pensamento de Atreides. A narrativa se constrói nesse meio um pouco menos "condutivo" que o normal, o que pode afastar boa parte do público mais casual. Duna 2 não quer ser mais um filme de ficção científica, mas sim o destaque entre o meio e consegue muito bem. A construção da obra anda no passo necessário e consegue passar por cima de um ponto extremamente criticado vindo da primeira parte, seu ritmo. Duna, apesar de ser um espetáculo, despertou no público uma certa insatisfação com os acontecimentos do filme, sendo considerado lento e chato.
Duna: Parte Dois passa por cima do problema de lentidão com maestria ao trazer cenas de ação condizentes com o tamanho da obra. Cada plano e ato que acontece em momentos de maior tensão é muito bem encaixado, não precisando estar ali por tabela, mas sim reiterando o caráter emergencial do projeto. Ao abdicar de boas cenas de ação no primeiro filme, Villeneuve mostra entender a problemática e guardar as cenas de ação para momentos onde elas realmente se tornam necessárias, ao invés apenas de jogá-las a qualquer deixa. Tal ação é simplesmente de encher os olhos, desde a fotografia que faz de tudo para além de mostrar com clareza o que está acontecendo em tela, também consegue trazer cenas belíssimas que nos fazem contemplar o tamanho de estruturas, bichos titânicos e um verdadeiro espetáculo visual, fazendo com que a cada momento você salte até a ponta da cadeira e fique tenso junto com os personagens em cena.
Agora, o que seria a característica mais marcante do filme é o trabalho de som que ali foi realizado. Além de demonstrar como cada micro barulho é necessário, desde a entrada de um mega animal na areia até um pequeno andar a passos de um micro rato do deserto. O som é tão presente no filme que, o diretor, sabendo o que está fazendo, brinca com nossa audição em diversos momentos da obra. Como por exemplo, quando Chani está correndo após abater uma espécie de helicóptero e podemos ouvir apenas seus passos rápidos na areia, até que a aeronave cai no chão e a sala de cinema é inundada com uma verdadeira sinfonia de barulhos de metal retorcido, explosões e os mesmos passos na areia. Villeneuve mostra que não apenas sabe passar a sensação que precisa com uma trilha sonora encaixada de forma pontual e coesa, mas também sabe que o desenho de som tem que ser o melhor possível.
A trilha sonora não fica para trás dentro do espetáculo visual. Hans Zimmer mostra por que dispensa apresentações e por que é um dos melhores de sua geração. Ao trazer o sentimento exato que a cena precisa, Zimmer põe aos ouvidos dos espectadores mais uma de suas gloriosas composições. Muito comparado com o gênio John Williams, o compositor de Duna mostra que, diferente do colega de profissão que é um construtor de temas memoráveis, Hans é um construtor de atmosferas e sensações. Mais uma vez, ele sai vitorioso e com uma composição digna de sua assinatura. Um trabalho condiz muito com cada momento que é introduzido, seja um momento de tensão e batalha, seja outro mais introspectivo e onde a atuação seja o foco da cena.
Em Duna: Parte Dois, voltam basicamente os mesmos personagens com algumas adições muito bem colocadas para aumentar a problemática, mas não o suficiente para virar uma mistureba de nomes. Cada personagem está muito bem interpretado por seus respectivos atores e atrizes, com destaque válido para o trio principal composto por Timothée Chalamet na pele de Paul Atreides, Zendaya como Chani e Rebecca Ferguson como Jessica Atreides. Esta última está muito mais confortável e solta dentro do papel que ganha ainda mais peso após a personagem receber a "patente" de Reverenda Madre. Uma atuação que muda da primeira para a segunda obra e se torna muito crível e imponente, pois ela se torna, além de tudo, a personagem que empurra Paul para sua jornada messiânica e trava um cabo de guerra com Chani. Na outra ponta do cabo, Zendaya é o pé no chão de Muad’Dib, a atriz traz para si uma composição muito mais visual e contida, uma verdadeira guerreira que não expõe seus sentimentos nos momentos mais emocionantes, mas que em momento algum se esconde atrás de uma cara de indiferença. Muito pelo contrário, sua atuação vem pelos olhares fortes, expressões contidas, porém visíveis, e por uma presença de cena muito forte. Quando fala, sempre traz peso no diálogo sem que ele caia num improviso fajuto. Ela se torna o pé no chão de Paul para que ele não se torne o Messias que tanto ele teme e que ela não acredita.
Timothée está o mais confortável possível no papel de Usul. O ator traz de volta, durante boa parte da obra, a composição usada no primeiro filme. Após o desenrolar da história, Atreides vai se entregando a uma persona mais enigmática e que os olhares e sorrisos falam por si, como já comentado. Mesmo assim, o ator tem plena noção de que tem de aumentar o tom em certos momentos, onde é confrontado fisicamente e mais ainda quando intelectualmente. O possível Messias tem o tempo todo um ar de dúvida em seu rosto para com o seu destino, o que leva o espectador a pensar junto com o personagem. O que é o certo a se fazer? Aceitar o poder e a idolatria perigosa que o destino teria reservado para si? Ou seguir seu amor e coração para uma jornada de libertação dos fremen e devolução do paraíso verde para eles? Uma dicotomia muito bem trabalhada pelo roteiro e muito bem entregue pela atuação do ator americano.
Os demais personagens secundários estão muito cientes do que o projeto pede e entregam boas atuações dentro do papel pedido e tempo de tela que lhes é dado, com destaque válido para Stilgar, interpretado por Javier Angel Encinas Bardem. O ator espanhol vem para servir como um tipo de preparador e de certa forma "fiscal" para saber se Paul é ou não Lisan Al Gaib, o Messias. Com o tempo, Stilgar vai se entregando à ideia e vendo cada vez mais Atreides como o Salvador de Arrakis. Trás em certos momentos um alívio cômico que nem sempre é bem encaixado e pode sair do tom que o momento pede, mas nada que chegue a comprometer a veracidade e importância do personagem nessa épica jornada.
Denis Villeneuve traz um verdadeiro filme ópera, gigante em tamanho, ideias, duração e importância, ao abordar tantos dilemas e temas dentro de uma obra de ficção e ter sucesso ao abrir e fechar uma história coesa e independente. Porque, apesar de ser uma continuação, Duna: Parte Dois pode muito bem ser assistido sozinho e funciona como filme único, pois os conflitos do primeiro filme foram abertos e fechados, assim como em seu irmão mais novo. Não é arriscado dizer que o novo projeto do diretor é possivelmente um novo clássico do gênero, muito menos dizer que vem com tudo ao início da temporada de premiações. Dando arco para o terceiro filme, Villeneuve mostra que ainda tem muito a encantar os espectadores e não vê a hora de trabalhar cada vez mais nesse universo. Duna: Parte Dois caiu no “mais e maior”, porém com toda certeza, melhor também.
Gabriel "The Salles" (@the_fotosalles)
Colunista de Cinema da Oniiverse!
Colocação bem interessante e critica que aguçou meu interesse por este novo trabalho de Denis Villeneuve.
ResponderExcluirCongratulações, sobrinho. 🙂