Heartstopper - 2ª temporada (2023)
Resenha
Heartstopper (2022) - 2ª temporada (2023)
Criadora: Alice Oseman
Dir.: Euros Lyn
Falar de Heartstopper, da Netflix, é uma mistura saborosa de sensações. Pessoalmente, falhei em trazer um episódio na Oniiverse sobre a primeira temporada e escrevo essa resenha, com leves spoilers, como uma forma de redenção por Charlie e Nick. 🍂🍂🍂
Assisti a primeira temporada incontáveis vezes. Cheguei ao ponto de terminar o último episódio e voltar para o primeiro logo em seguida. A vibração pela série se deu inicialmente por motivos óbvios: é uma série gay e sou fã do gênero BL, mas não quero adentrar nessa discussão, já largamente promovida pelo fandom da série. Fora a clara identificação com a história de adolescentes queers passando pela escola e todo o processo de descoberta e auto-aceitação, a série traz signos e referências, pelo menos no nível de relações amorosas, que os adolescentes heterossexuais possuem e assistem durante todo seu amadurecimento. Os filmes e séries adolescentes retratam, em sua maioria esmagadora, romances entre garotos e garotas cisgêneros. Possuem diferentes dramas, mas fundamentalmente são sobre o mesmo assunto: o amor heteronormativo que leva invariavelmente ao matrimônio e a felicidade eterna.
Enquanto isso, os filmes que retratavam personagens queers durante a minha adolescência dos anos 2000 retratavam perversidade, tragédia, doença, violência, promiscuidade e morte de personagens gays. Imaginem como deve ser doloroso ter como referências filmes que dizem que a vida de uma pessoa queer é invariavelmente cheia de dor e sofrimento, sem final feliz. Não quero dizer que a vida de qualquer pessoa não seja permeada de coisas ruins, mas parecia que, se você fosse gay, só teria tristeza até morrer de AIDS, vítima de homofobia ou suicídio.
É por isso que Heartstopper, para as gays vividas (e eu me incluo nessa categoria), parecia um bálsamo audiovisual nas feridas causadas pela ausência de referências adolescentes tão simples e bobas. Sim, a história é simples e boba. É um romance adolescente com tudo que se pode ter, mas, por ser feito para pessoas queers e protagonizado por um casal de meninos, ganha um lugar diferente no coração dos espectadores. Além disso, a leveza aliada ao compromisso, ao respeito e ao amor que Alice Oseman reserva a seus personagens levam a uma qualidade dramática elevada, que envolve o público e encanta o seu olhar. Os protagonistas vividos por Joe Locke e Kit Connor são a fofura personificada. Toda essa mistura maravilhosa levou ao sucesso da série em 2022, que foi renovada por mais duas temporadas seguidas. Eu me orgulho de ter contribuído com a campanha no Twitter.
Depois de assistir a série, mergulhei na história em quadrinhos, ou webtoon, da Alice Oseman. Comprei as edições lançadas pela editora Seguinte aqui no Brasil e parti para a leitura dos capítulos disponíveis no Tapas da autora. Já estava ansioso para ver a história da segunda temporada se desenrolar nas telas e não me decepcionei.
Os personagens retornam mais complexos, obviamente, mas mantêm a mesma inocência do primeiro amor, a mesma vibração, aquela vontade de estar com a pessoa amada a todo tempo, que torna doloroso todo momento de separação, mesmo que você vá encontrar a pessoa na manhã seguinte, na escola. Nick e Charlie são esse casal. A trama dos dois dá uma engrossada, com os dois entendendo as limitações e os problemas um do outro à medida que mergulham no relacionamento e aprofundam o amor que sentem. A questão de assumir a bissexualidade se torna o mote do personagem de Kit, enquanto vemos os problemas familiares de seus pais divorciados e o relacionamento com o irmão babaca aparecendo. Já para Charlie, os problemas nas notas da escola e um certo distúrbio alimentar começam a aparecer como sequelas do pesado bullying sofrido no passado do personagem. Mesmo que a série não mostre esse sofrimento em suas cenas, o sentimento está lá na forma como Charlie parece acreditar que tudo de errado que acontece é culpa sua e que precisa se desculpar a todo tempo.
Intercalando as cenas dos dois, na segunda temporada, nos aprofundamos no romance friends to lovers, entre Elle, uma menina trans, e Tao. A coisa mais fofa do mundo é ver Tao tentando tornar-se um garoto perfeito para Elle, enquanto Elle já o achava perfeito desde sempre. E o primeiro beijo deles em um museu, em Montmartre, em Paris, é o ápice do Romance com R maiúsculo. Já a história de Darcy e Tara ganha uma gota de realidade na vida das duas quando somos apresentados ao lar tóxico de Darcy e ao desamparo de Tara por não saber como ajudar a namorada em uma situação limitada pela falta de independência financeira e suporte familiar, comuns para pessoas LGBTQIAPN+ dessa idade. Isaac, o amigo da turma, também se vê em conflito por ver todos ao seu redor engatando relacionamentos amorosos, mas não se sente particularmente atraído romanticamente por ninguém ou interessado em relacionamentos sexuais.
A segunda temporada não decepciona em nada e mantém-se com nota alta no site do Tomate Estragado, com 96% de aprovação (a primeira temporada teve 100%🍅). As sequências costumam se sair menos bem sucedidas, quando não são desastrosas, mas Heartstopper mantém e aprofundam sua essência. O que levou a leve queda talvez tenha sido o roteiro cíclico da bissexualidade de Nick e de sua dificuldade em se assumir, que pode ter cansado alguns espectadores, mas, na verdade, reflete sobre a própria rotina de pessoas bissexuais que se sentem pressionadas o tempo todo a afirmar sua sexualidade, principalmente quando estão em relacionamentos, sejam com pessoas do mesmo gênero ou do gênero oposto.
Heartstopper mantém-se relevante e garante o lugar no coração dos fãs da série e no universo midiático. Reforça para o mercado audiovisual que há espaço para histórias queers serem produzidas e consumidas. Longe de problematizar a acomodação de pautas identitárias ao mercado ou o certo puritanismo que rivaliza Heartstopper a Euforia, por exemplo, essa é uma série adolescente que ocupa um espaço necessário na representação queer e no imaginário dos adolescentes e dos adultos também. Assitir Heartstopper, para mim, foi revisitar minha adolescência e pensar que tudo pode ser mais leve com amizade e com amor. E continuo ansioso para assistir o restante da história de Nick e Charlie na próxima temporada… 🍂🍂🍂
Sousen
Colunista e diretor criativo da Oniiverse!
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