CRÍTICA - INDIANA JONES E A RELÍQUIA DO DESTINO

 Última aventura do lendário arqueólogo entrega, mas joga seguro até demais

Por Raphael Martins

@AqueleRaphael



Vamos começar essa crítica respondendo o que todo mundo realmente quer saber: ‘’O novo filme é melhor que O Reino da Caveira de Cristal?’’, a boa notícia é que sim, Indiana Jones e a Relíquia do Destino, o quinto - e último - filme do maior herói da história do cinema, é um longa-metragem melhor que o anterior, errando bem menos que ele. Mas se arrisca menos também, o que meio que bate de frente com o próprio conceito do personagem e pode gerar uma certa resistência tanto nos fãs de longa data quanto a quem vá ter seu primeiro contato com a franquia só agora.


O filme entrega exatamente o que os fãs do arqueólogo, sinônimo de aventura e imortalizado por Harrison Ford, poderiam querer: ação desenfreada, enigmas a serem resolvidos, viagens ao redor do mundo e porrada em nazista. Em contrapartida, a duração maior que o normal para um longa da cinessérie por vezes demonstra um certo cansaço, que nada tem a ver com o de seu protagonista octogenário, que aliás, ainda tem fôlego de sobra para a última grande aventura de sua vida.


A (última) última cruzada


O primeiro ato do filme abra história arrebatando qualquer fã de Indy que se preze: é 1945, durante os últimos momentos da segunda guerra mundial, e Indy está no encalço dos nazistas enquanto eles tentam fugir com tesouros roubados. O herói está de olho na mítica Lança de Longinus, a “Lança do Destino”, que perfurou o corpo de Cristo durante a crucificação e, segundo a lenda, teria o poder de mudar a própria realidade. 


Entretanto, surpresa: ela não é a “Relíquia do Destino” do título, que é descoberta por acaso durante a missão. Trata-se da Anticítera, um marcador construído por Arquimedes e dito com a capacidade de encontrar fendas no tempo. Por 25 minutos, vemos Indy fazer tudo o que faz de melhor, rejuvenescido digitalmente de uma forma tão impressionante que é até difícil de acreditar que não se trata de imagens de arquivo de um Harrison Ford duas décadas mais novo.


Corta para 1969. Indiana, agora com oitenta anos, está longe de seus dias de glória. Morando num apartamento minúsculo, enfrentando um doloroso processo de divórcio e prestes a se aposentar, ele recebe novamente o chamado da aventura através de sua afilhada, Helena Shaw (Phoebe Waller-Bridge, de Fleabag), para acharem a outra metade do dito marcador antes que Jurgen Voller (Mads Mikkelsen, de Rogue One: Uma História Star Wars) encontre primeiro. O que se segue é uma aventura com todos os elementos que tornaram a franquia famosa, mas que apesar disso, ainda parece carecer de algum outro ingrediente, para deixar a experiência realmente inesquecível.


“Não são os anos, é a quilometragem.”


O que assustou muitos fãs antes do lançamento foi a idade avançada de Harrison Ford, que poderia não dar conta de toda a ação física que seu personagem mais famoso requer, para contar uma boa história. Quanto a isso, não tenham medo: Indy ainda sabe dar um bom soco, fazer seu chicote quebrar a barreira do som e explodir coisas durante uma perseguição. O problema do personagem agora é outro: o peso que seus anos de aventura  trouxeram à sua vida pessoal.


Ele parece ter perdido muito mais do que ganhou, nunca tendo alcançado sua “riqueza e glória”. Vivendo em um mundo que não é mais o dele, que não se lembra de seus feitos e talvez sequer precise dele. Essa amargura que ele carrega se faz sentir durante todo o filme, que deixa o lado mais bem humorado e aventuresco dele de lado em nome do desenvolvimento de seu personagem. Tá certo que ele não poderia - e nem deveria - ser o mesmo do primeiro filme, uma vez que um de seus maiores atrativos é evoluir e mudar a cada nova aparição, ao contrário de James Bond, que permanece sempre o mesmo há 61 anos. Ainda assim, o tom de aventura leve que os quatro primeiros longas-metragens tinham acaba tendo que ser sacrificado, o que não ajuda A Relíquia do Destino a ser tão bom quanto seus três primeiros predecessores.


Não que seja um adeus melancólico, é claro. Há vários momentos de humor, principalmente entre a novata Helena Shaw e seu assistente, o jovem ladrão Teddy (Ethann Isidore), que funciona meio que como um novo Short Round, mas sem o mesmo carisma e coragem que o sidekick de O Templo da Perdição tinha. O próprio Indy ainda se garante como o maior aventureiro do mundo e não decepciona em momento algum, seja como líder, seja como herói. Contudo, em um mundo que já viu coisas como Tomb Raider, Uncharted, A Múmia e outras produções inspiradas por Indiana Jones, a aventura final do arqueólogo parece empalidecer em comparação a eles, sendo uma aventura bem menos frenética do que as gerações atuais estão acostumadas a ver, e que pode prejudicar a franquia a renovar seu público.


Um enigma incompleto


Embora entregue o que o público quer ver, fica parecendo que falta alguma coisa a A Relíquia do Destino, quase como um enigma que o herói deixa de decifrar e acaba ativando uma armadilha mortal por causa disso. Referências aos filmes clássicos? Temos, mas de forma bastante discreta e bem longe das coisas jogadas na nossa cara que os 15 anos de Marvel Studios nos deixaram acostumados. Personagens queridos? Também temos, mas sua participação é tão pequena que até dá para se perguntar por que eles estão lá. 


Até mesmo a trilha sonora de John Williams, que ajudou bastante a franquia a se estabelecer no imaginário coletivo, parece estar em falta de uma certa magia. Se aproveitando de temas apresentados nos filmes anteriores, principalmente em A Última Cruzada, as novas faixas são pouco inspiradas e não tem muitos momentos de destaque. Todas essas coisas acabam jogando contra a trama e seus vários bons momentos, deixando a experiência meio desequilibrada. Isso torna A Relíquia do Destino um filme ruim? Não, mas poderia ser muito melhor se todos esses elementos funcionassem em harmonia.

Também falta ao longa um pouco de identidade. Ele não tem o toque mágico de Steven Spielberg, mas também não possui a cara de James Mangold, que assumiu a direção do projeto. Seja isso por intervenção dos engravatados da Disney ou não, o fato é que essa falta de um estilo marcante acabou por deixar o filme “sem cara”, como uma criança sem pai. É uma aventura de Indiana Jones, mas poderia ser uma aventura de qualquer outro aventureiro. E não deveria, já que este é o canto do cisne do personagem nas telonas… pelo menos até um inevitável reboot daqui há alguns muitos anos.


Despedida Digna


Indiana Jones e a Relíquia do Destino é, de um certo ponto de vista, muito parecido com seu personagem título: derrapa tentando executar uma manobra mais complicada, mas levanta, sacode a poeira, coloca o chapéu de volta na cabeça e tenta de novo, vencendo no final. Embora tenha sua parcela de problemas, o quinto filme não desrespeita seu protagonista em momento algum e aproveita ainda para nos lembrar que, mesmo aos oitenta, você não deixa de ser menos do que já foi, que você ainda merece respeito, que ainda pode sair em uma aventura.


O nerd conservador chato de internet, que tanto alardeou que Helena seria uma tentativa da Disney de forçar uma “nova Indiana Jones” e de roubar o protagonismo do personagem, não poderia estar mais errado. Embora ela seja forte, corajosa e interessante, ela não tenta ser mais do que é, lhe faltando a sabedoria, a experiência e a moral de seu padrinho lenda viva para tomar seu lugar. Mas ainda que os tivesse, não conseguiria, assim como Nathan Drake, Lara Croft e outros grandes aventureiros da cultura pop, que sempre estarão na sombra do chapéu de Indy.


O que acontecerá com a franquia agora, é um mistério tão grande quanto os que o próprio personagem se aventurava para desvendar. Um reboot de O Jovem Indiana Jones? Um remake? Novos filmes com outro ator no lugar? Uma série sobre o Short Round estrelada por Ke Huy Quan? Não dá para saber, mas uma coisa é certa: sempre teremos a maior franquia de aventura da história do cinema nos esperando para ser revisitada e para nos fazer sonhar com aventuras e perigos, romance e magia, natural e sobrenatural.


Riqueza e Glória, meus amigos. Riqueza e glória.


Ficha Técnica

Indiana Jones e a Relíquia do Destino

Direção: James Mangold

Roteiro: James Mangold, Jez Butterworth, John-Henry Butterworth, David Koepp

Produção: Kathleen Kennedy, Frank Marshall, Simon Emmanuel

Estúdio: Lucasfilm

Lançamento: 29 de junho de 2023

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