O Senhor dos Anéis: Anéis de Poder - A 1ª Temporada, prenunciada e mal-fadada.
Vou tentar fazer com que esse texto não seja tão longo e enfadonho quanto foi a primeira temporada da série “O Senhor dos Anéis - Anéis de Poder”, da Amazon Prime Video, mas vai ser uma tarefa um pouco complicada, considerando o quanto a obra televisiva mais cara da história tentou trazer às telas e deixou de fora. O ar de desapontamento pesa mui denso entre todos os fãs de Tolkien. E não vamos falar dos que reclamam de diversidade com a cor da pele de elfos e de anãos, quando, pra começo de conversa, os elfos nem orelhas pontudas tinham no imaginário original de Tolkien, por exemplo. E sinceramente, Arondir é um gostoso e um dos poucos personagens que te fazem vibrar com a trama, apesar de ter sido esquecido no churrasco na reta final da temporada.
Primeiramente, vamos tirar do caminho o óbvio. A produção é impecável. Efeitos especiais belíssimos tiram o fôlego de qualquer fã de obras fantásticas desde a primeira cena aberta mostrando as primeiras luzes de Valinor, com as árvores Telperion e Laurelin, em sua assombrosa beleza e gigantez, acima do que se acredita ser Valimar. Lindon é bela e nobre, como se espera. Khazad-dûm é gloriosa, apesar de não ter se dado muito labor aos seus veios e corredores na série. Númenor é altiva e impressionante, como se espera do maior reino dos Homens. A trilha sonora é empolgante, mas utilizada de forma demasiada e repetida, tirando o impacto de momentos em que sua altivez seria melhor utilizada.
Todo o design de produção, as maquiagens, as perucas, o figurino, as armaduras, os cenários, as ferramentas, as espadas, os arcos, as adagas, os martelos, os tampos das mesas, as carroças, tudo é de um requinte formidável, em que se vê bem onde os 60 milhões por episódios foram investidos.
O elenco tem lá seu mérito. Tiraram leite (já coalhado) de pedra do roteiro que lhes foi entregue. É tão perceptível o sofrimento de executar as falas no semblante de Morfydd Clark (Galadriel) e do excelente Robert Aramayo (Elrond), em um de seus últimos diálogos, em Eregion, que se nota um suspiro de cansaço no timing da atuação dos dois atores, tentando fazer sentido das palavras mortivivas do roteiro péssimo e requentado da série.
A história se beneficia das lacunas existentes nos relatos já no fim da Segunda Era de Arda, envolvendo os eventos que levaram à forja dos Anéis de Poder e a Akallabêth, mas, sem spoilers…
A trama não é em si um desperdício, e se divide em núcleos que sofrem para encontrar uma coesão, e por vezes, abandonam a vã empreitada. Então, vamos a eles!
Arondir e Bromwyn, o amor ardente no meio do fogo da perdição…
Ao deixar a torre de Ostirith, são surpreendidos por uma hoste de orques, escavando as Terras do Sul e com um grande plano de construir uma terra para seu povo, os Uruk, habitar, sendo liderados por Adar, o pai. As cenas do cativeiro são empolgantes e você teme o destino dos personagens, tanto que é deste núcleo que surgem os desfechos mais cruéis, mesmo aos menores personagens, como o adolescente Rowan, amigo de Theo (Tyroe Mujahidin), morto por Waldreg, como demonstração da devoção aos propósitos de Sauron.
O desfecho dessa trama parece se encerrar com o nascimento catastrófico e cataclísmico da Montanha da Perdição, que poderia ser mais crível se fosse dado o verdadeiro valor à massa destrutiva de uma erupção tão violenta. O final do casal e, com ambos, o destino dos povos do sul são aparentemente felizes, mesmo que agora refugiados de sua terra e buscando auxílio em paragens mais ao oeste da Terra-Média. Parecem ainda muito ignorantes do terrível destino que os aguarda após terem coroado Halbrand como seu rei, mesmo ferido na batalha. A espada dada por Galadriel a Theo pode significar uma aliança entre elfos e os homens do sul reforjada naquele momento.
Definitivamente, é o núcleo que mais sofre mudanças e cujos personagens mais evoluem do início ao fim da trama. Talvez merecessem uma cena final mais central, mas os é relegado apenas o fundo de um cenário do qual partem Galadriel e Halbrand para Eregion.
Galadriel, a peruca de milhões!
Ah, Galadriel! Tão bela, cujos cabelos levam em si o misturar das luzes das grandes árvores de Valinor! Sim, uma peruca muito boa! Ou uma lacey, melhor me referindo ao gênero de cabelos postiços que imitam as raízes dos fios saindo do próprio couro da atriz. É incrível, de verdade! Se sustenta até no mergulho que Galadriel dá às portas de seu retorno a Valinor e na cavalgada em câmera lenta por Númenor.
Galadriel, irmã de Finrod, filha de Finarfin e Ëarwen, é um dos personagens mais icônicos da literatura fantástica e da cultura pop, desde a trilogia de Peter Jackson. Aqui você encontra a personagem em outro momento, como uma guerreira élfica, o que não foge de suas origens, pois Galadriel seguiu seus irmãos na travessia do Helcaraxë até a Terra-Média, disposta a guerrear com Morgoth pelas Silmarils. A maior dificuldade de Galadriel é o roteiro. E aqui podemos falar um pouco sobre por que é tão sofrido ouvir, não só ela, mas outros personagens conversando de maneira solene o TEMPO TODO.
Há um mito de que a linguagem de Tolkien é difícil de ler ou de compreender, hermética, com uso de palavras incomuns, quando, na verdade, a escrita é poética e inteira de significado. Não existe uso de palavras mortas ou que perderam seu significado há muito tempo. Existe a reprodução de maneiras de falar que Tolkien acreditava ser condizente com as formas que a língua era expressada nos tempos de uma Terra-Média. Mas os diálogos são deliciosos e, por vezes, majestosos em sua simplicidade.
Os roteiristas parecem ter esquecido da simplicidade e focaram na majestosidade, impregnando as falas de construções morfológicas quase parnasianas, sem qualquer utilidade ou inteireza. Tentam reproduzir Tolkien e o roteiro de Peter Jackson, Phillipa Boyens e Fran Walsh, que levaram dois Oscar por Roteiro Adaptado dos filmes “Sociedade do Anel” e “O Retorno do Rei”. Não existe uma fala de Galadriel que não seja entoada de maneira majestosa, carregada de urgência e grande importância. E não só dela. O mesmo pode ser dito dos diálogos de Elrond, Gil-Galad e Míriel, e quando esses personagens se encontram, pelo amor de Eru… É tudo sobrecarregado de uma epicidade que descaracteriza e torna monótonos os personagens. Como disseram as migas em seu vídeo de análise, “se tudo é épico, nada é épico”. Mas as perucas continuam sensacionais!
A história de Galadriel interliga os núcleos de Lindon, Númenor e dos Homens do Sul, finalizando em Eregion, com a forja dos primeiros Anéis de Poder, sendo a personagem que mais vagueia durante a temporada. Possui o objetivo implacável de destruir qualquer sinal da sombra de Sauron e da raça amaldiçoada dos orques, e vingar a morte de seu irmão Finrod, no entanto, não se sabe exatamente na série o que levou ao seu fim.
Galadriel é irascível em sua busca, o que a leva a um exílio forçado, sendo mandada de volta a Valinor, por Gil-Galad. Não se sente digna de entrar nas terras perenes e pula do barco, em uma cena, aí sim, majestosa. Agora como náufraga, encontra um grupo à deriva sendo atacado por uma grande serpente e escapa junto de Halbrand. Os dois são resgatados por um navio numenoriano e levados à ilha dos homens. Lá Galadriel impõe sua vontade e convoca a Rainha-Regente Míriel a lançar o seu povo ao resgate dos homens do sul, somente para jogá-los na escuridão do nascimento de Mordor. Depois da batalha, carrega um Halbrand ferido para o lugar que ele sempre quis estar: a oficina de Celebrimbor, justamente no momento em que estão próximos de forjar um artefato de Poder.
Ao fim de tudo, somente se conclui que Galadriel não enxergaria o mal, que caçou com tanto afinco, nem que ele fosse a única coisa à vista em um mar vazio, sem nada ao redor, por léguas de distância em todas as direções. E, sim, a personagem possui momentos maravilhosos, mas seu desenvolvimento é deveras linear, até o precipício da realização final do mal que fez a toda Terra-Média.
A ilusão final na qual guerreia com Sauron traz momentos dolorosos, principalmente com a memória de Finrod e seu conselho que fala da necessidade de tocar as trevas para aprender o que é a luz. No entanto, o uso da repetição de falas que Galadriel usa na obra d’O Senhor dos Anéis leva a duas possíveis conclusões: ou Galadriel permanece com as palavras de Sauron em seu coração desde aquele momento até sua tentação final, diante do espelho em Lothlórien; ou simplesmente não aprendeu outras palavras que expressem melhor a extensão de seu poder se sucumbir às trevas do que ser “mais forte que os fundamentos da terra”. A referência empobreceu o texto original. Só me pergunto: tudo isso foi a troco de quê?
No final, não sabemos ao certo o que a personagem aprendeu ou se o que ela passou durante todos os longos episódios fez alguma diferença no seu caráter. Talvez vamos encontrar uma Galadriel idêntica na segunda temporada, mesmo tendo deixado derreter a adaga de seu irmão, um símbolo de seu desejo de vingança.
Nori e o Estranho gigante
SPOILER: segundo a história de Beren e Lúthien, Finrod morre ao tentar salvar Beren das garras de Sauron, que os ataca na forma de Lobisomen.
Uma das coisas mais intrigantes é a queda de um meteoro próximo ao local onde os Harfoot estão acampados nos últimos dias de verão. No centro da queda, um homem jaz sem roupas em meio ao solo ainda em chamas. É deslumbrante e aterrorizante. O aprendizado deste gigante sem nome durante a migração dos Harfoot é oblíquo e, por vezes, ficamos pensando se ele é realmente bom. Ficamos sem entender sua personalidade e até quem seria este ser entre os vários que habitam os contos de Tolkien.
Confesso que tentei desde o começo me convencer em vão de que o Estranho, interpretado por Daniel Weyman, não se tratava da chegada de Gandalf. Afinal, nas obras de Tolkien, o mago cinzento somente chega na Terceira Era da Terra-Média, acompanhado dos demais Istar, de barco, e é recebido por Cíndar em seus portos, momento em que recebe um importante presente deste rei élfico.
Mas deixa pra lá. O que tinha o potencial de ser uma aventura completamente nova se desenvolvendo ali entre os antepassados dos Hobbits tornou-se mais uma decepção para os fãs de Tolkien. Afinal, macularam toda a origem de um dos principais personagens de toda a saga.
Pelo menos ,tem-se uma batalha de magia entre Gandalf e as três místicas, ou as três patetas, que passam longos episódios seguindo-o e acreditando se tratar de Sauron… Três criaturas que participam do Mundo Invisível, como se vê no final do embate, não conseguem enxergar a natureza do Istar, que não faz qualquer esforço para esconder quem é, pois, afinal, não o sabe…
Os Harfoot são, sim, adoráveis. Papoula (Megan Richards), amiga de Nori (Markela Karvenagh), é uma das personagens mais fofas da série. O que estraga, mais uma vez, são os diálogos e a falta de ritmo do roteiro. O ápice é a cena de despedida de Nori e sua família, interminável e cheia de adeus e frases clichês.
Gandalf resolve partir para o leste, Rhûn, lugar pelo qual, nas obras de Tolkien, jamais andou, por ser uma região de perigo, habitado por criaturas tocadas pelas trevas. Também se acredita ser por onde os magos azuis se perderam.
E, ao final, tem-se a referência a frase de Gandalf, dita em Moria, a Meriadoc: “na dúvida, siga sempre o seu nariz”. E ainda tem pessoas dizendo que não é Gandalf, mas, sim, Radagast. Sério que vocês acreditam que tanto tempo de tela, tantas frases de efeito e referências a Gandalf seriam gastos para revelar outro personagem que não o mago cinzento? Qual outro personagem apelaria tanto ao lado nostálgico e afetivo dos fãs da série?
Enfim, mais uma decepção.
Khazad-dûm esquecida no churrasco do Balrog
A amizade do Príncipe Durin (Owain Arthur) e de Elrond é um dos poucos laços existentes entre os elfos e os anãos, que se estabelece pelas relações já relativamente amistosas entre os Noldor de Eregion e os anãos das Montanhas Nevoadas, principalmente pela proximidade de ambos os povos com o Valar Aulë e o artifício de metais e pedras preciosas. Os diálogos entre os dois personagens são sinceros e cheios de afetos, como verdadeiros amigos devem conversar.
A ida de Elrond possui um desígnio desconhecido até por ele mesmo, pois notícia chegou aos elfos que os anãos encontraram Mithril, um metal mais brilhante que a prata, mais rígido que o diamante, capaz de restaurar a luz dos elfos, que se evanesce da Terra-Média. Tal desastre pode ser um dos resultados da maldição de Mandos, lançada sobre os Noldor, quando estes partiram após o fratricídio contra os elfos teleri, ainda em Valinor, inflamados pelo Juramento de Fëanor.
Em um dos momentos de demonstração de amizade, Durin oferece uma pequena amostra de Mithril, ainda bruto e engastado em pedra. Este momento não é tão ressaltado pela câmera ou por qualquer trilha sonora, mas se torna chave para a forja dos três anéis de poder dos elfos, Narya, o anel de rubi, Nenya, o anel de diamante, e Vilya, o anel de safira.
O pai de Durin, o Rei Durin III, não autoriza a extração de Mithril e, na cena em que ordena o fechamento da mina, joga uma folha da árvore pela entrada escavada pelo príncipe, folha que flutua até o berço em que dorme um Balrog. E acabou-se. Nada mais se sabe, nesta temporada sobre o Balrog, sobre Disa (Sophia Nomvete), a esposa de Durin, que se mostra como um personagem mais complexo e perspicaz do que muitos outros, ao mostrar sua generosidade e cobiça inata de sua raça. Não se vê os anãos ou o próprio Durin depois da partida de Elrond até Eregion. Esquecidos no churrasco.
A cena do Balrog em Khazad-dûm deixa uma pergunta no ar: como os anãos vão extrair o Mithril, que se torna um dos metais mais comercializados na Segunda Era, com um Balrog já tão próximo dos veios que as minas hão de perfurar? Vamos ter que confiar nos roteiristas…
Númenor e seu fim predestinado
Númenor é de tirar o fôlego e é o lar de personagens importantes para a Terra-Média. A chegada de Galadriel e Halbrand, resgatados na nau de Elendil, é impactante e entrega bem sua tarefa em demonstrar a glória daquele reino. A visão de Míriel (Cynthia Addai-Robinson) na Palantir é assombrosa. E o roteiro aqui faz bem o trabalho de explicar a dissidência existente no povo numenoriano naquela época, apesar de certas derrapadas incoerentes.
A principal e mais tosca é a cena da revolta da comunidade trabalhadora justificando sua xenofobia aos elfos ao falar que “eles irão tomar nossos trabalhos”, parecendo mais um cidadão americano reclamando de imigrantes mexicanos ou de qualquer origem. Gente, qual elfo iria deixar suas terras para ser padeiro em Númenor?? Vamos tentar não levar tão a sério essa parte, mas é necessário dizer que a aversão aos elfos é histórica em Númenor e vem mais de um anseio por superar o medo da morte, mácula existente desde a época de Melkor, que deturpou e encheu de terror o seu real significado, destinado aos homens por Eru como uma dádiva, um presente de libertação de ciclos terrenos e o alcance de destinos desconhecidos até pelos próprios Valar. E também vem do descontentamento da interdição imposta pelos Valar à navegação dos numenorianos, que só podem navegar para o oeste até aonde ainda se possa enxergar a costa da ilha.
É nos arquivos de Númenor que Galadriel descobre a primeira pista da origem de Halbrand como herdeiro de uma linhagem de reis dos Homens do Sul. Infelizmente, lá nos arquivos dos homens, não tinha datas informando os anos de nascimento e morte de cada rei e herdeiro, o que teria ajudado bastante nossa personagem neste momento.
Elendil, Isildur e Eärien formam um núcleo interessante. Não houve reclamações na mudança de gênero do irmão de Isildur, Anarion, nas obras, para a irmã que vemos na série, e não faz grande diferença. Eärien (Emma Horvath) parece saber o que fazer da vida, tornando-se aprendiz de um artesão, todavia nós não sabemos o que ela faz na série. A cena final da personagem é sem noção. A personagem está sozinha com o rei, desenhando o seu semblante para um concurso de melhor modelo para um monumento ao soberano moribundo, quando este começa a falar de coisas fantásticas. Ela grita por ajuda, e não tem ninguém de prontidão para auxiliar o rei, que, diga-se de passagem, está doente. No final, ela encontra a Palantir, retira o véu e nada mais se vê ou se sabe…
Isildur (Maxim Baldry) parece um adolescente perdido, precisando aprender boas lições de vida, e, no início, ele ouve uma voz feminina chamando o seu nome, sabe-se lá para quê. E assim como ela aparece, ela se vai nos outros episódios. Sabemos do grande destino do personagem, e pode se tornar interessante acompanhar as aventuras de um jovem rei e ascendente da grande casa dos Reis de Gondor, que levam ao personagem de Aragorn. Nas chamas do nascimento de Mordor, perdemos de vista Isildur, e talvez só vamos vê-lo na segunda temporada, escapando de alguma forma das terras do terror, e se estabelecendo em algum momento como rei dos homens ao sul.
Elendil é de longe um dos personagens mais bem executados, devendo-se fazer justiça a interpretação dada por Lloyd Owen. Ao “perder” seu filho, seu coração se volta mais forte ao seu dever e à sua dedicação ao caminho das tradições élficas dos homens de Númenor, que se encherá de obstáculos com a morte do rei Tar-Palantir. Vemos com certo destaque o personagem de Pharazôn (Trystan Gravelle), que, com certeza, retornará na segunda temporada.
O destino de Númenor termina nesta temporada cheio de incertezas e luto pelas perdas dos soldados no conflito em Mordor, sendo mais um núcleo que sofre as consequências do cataclisma que se abate sobre a Terra-Média.
É por esse e por demais motivos que digo que a erupção da Montanha da Perdição é o ápice da série e o momento mais impactante para todo o enredo, que afeta todos os demais núcleos em certa medida. Até os Harfoot veem os destroços pelo caminho de sua caravana.
Talvez se a série se encerrasse neste momento, não teríamos que assistir a forja apressada dos Anéis.
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